Um lugar chamado "Subúrbio"

O sertão carioca

O subúrbio tem uma história. E uma história além das visões legadas pelas classes mais favorecidas da cidade, em nível de Zona Sul carioca. Falar em subúrbio remete a alguns particularidades, tais como, pobreza, trabalhadores, "coisas de pobre", lugares desajustados, violência. O imaginário popular se faz tendencioso a partir em que aceita tudo o que lhe é imposto pelas ondas de influências impostas por seja lá quem for que, mesmo inconscientemente, comanda a vida de cada um de nós. Ignorar as originalidades de um lugar que, por força imposta da grande classe dominante, se viu exilada dentro de sua própria cidade, é, no mínimo, ingenuidade. Pensar em subúrbio como o oposto daquilo que se entende por viver bem nada mais é do que negar a existência da diversidade do contexto deste ideal. Mas, e o conceito de subúrbio? E, além disso, qual seria o conceito daqueles que vivem nele, os suburbanos? Esbarramos com tais questões na tentativa de criar uma identidade para aqueles que vivem nos lados de cá da cidade. Superficialmente e deixados influenciar pelas opiniões do senso comum, suburbano seria aquele que mora no subúrbio (óbvio), de gosto um tanto quanto exótico, mal educado, dito sem cultura, que fala alto e leva frango com farofa para as praias da cidade. Longe de querer afirmar ao certo o conceito de subúrbio e suburbano, poderíamos começar buscando ajuda nos dicionários para saber do que estamos abordando.

                                                                    Estrada de Ferro D. Pedro II

O dicionário online da língua portuguesa nos diz que subúrbio é um "conjunto de aglomerações que cercam um centro urbano e participam de sua existência". Como espaço geográfico, tudo o que cerca o Centro da cidade seria subúrbio (entraria nesta questão até mesmo os bairros mais ricos da cidade, como os da Zona Sul). De fato, é o que aprendemos na escola. Mas, além dos limites geográficos, onde começa e onde termina o subúrbio? Podemos encontrar respostas na mentalidade trabalhada a décadas a respeito do que seria a parte mais favorecida em contraposição àquela menos capacitada ao acesso a determinados níveis da camada social. Quem participaria dos grandes cartões postais de nossa cidade? Como o próprio significado da palavra nos diz, o subúrbio se mostra como uma área de aglomeração, remetendo uma ideia de desordem: ruas tortuosas, sem planejamento, casas que crescem sem organização. A partir da segunda metade do século XIX, já no Segundo Reinado, com a implantação de estradas de ferro para interligar o que seria a cidade propriamente dita com a hinterlândia, D. Pedro II abre o caminho de participação daqueles que viviam nos sertões cariocas com os acontecimentos do centro administrativo da corte. Eis então mais uma denominação para o subúrbio: bairros que crescer sobre o que antes eram fazendas e engenhos, crescimento este proporcionado pelas estradas de ferro. A importância de algumas freguesias, engenhos e fazendas pelos lados de cá fizeram com que merecessem estações de parada para os trens que partiam da Estação Central. Eis que o imperador conseguiu interligar a cidade com o interior.

                                                                         Fazenda Santa Cruz

A ocupação da hinterlândia do Rio de Janeiro se deu mais impulsivamente pela abertura do caminho até Minas Gerais, devido a descoberta do ouro. Nos primórdios da colonização, as doações de sesmarias por parte da coroa portuguesa prometiam vastos pedaços de terras para aqueles que quisessem povoar a América lusitana. Ocupando as regiões de fácil acesso aos rios que desembocavam na Baía da Guanabara, aventureiros e empreendedores, apostando no enriquecimento em terras brasileiras, se instalavam nas margens destes afluentes, que seriam de fácil acesso para escoar a produção até os portos da Baía. No final do século XVII. Como consequência da grande descoberta no interior, a migração para as regiões das minas precisavam de caminhos mais rápidos, fazendo a ligação da capital da colônia com a região aurífera. Desloca-se o eixo que iria até o porto de Paraty e se abrem pelo médio Vale do Paraíba os caminhos do interior até a cidade de São Sebastião. Beirando estes caminhos veríamos o aparecimento de vilas, paradas obrigatórias aos tropeiros que subiam a serra carregando mantimentos e mercadorias para abastecer as regiões produtoras. Os sertões do Rio de Janeiro viram crescer engenhos e fazendas, sem esquecer de pequenos comércios que beiravam a estrada. Podemos dizer que o grande impulso para a interiorização da capitania se deu nessa época, até mesmo um crescimento populacional da cidade, devido a demanda de escravos e mãos de obra assalariadas para movimentar a economia ascendente da corrida do ouro.

Com a chegada da Família Real portuguesa em 1808, a cidade se viu diante de um grande problema de infraestrutura: Como suportar a corte lusitana na capital da colônia? A Intendência da Polícia ficou responsável pelas obras que transformariam o Rio de Janeiro em uma cidade européia nos trópicos: obras de saneamento, prédios e praças aos moldes de Lisboa, toques de recolher e, claro, estradas. A principal a ser reformada era a que levaria à São Cristóvão, onde ficava o palácio real. Em troca de favores da então corte estabelecida na cidade, os grandes proprietários cediam seus escravos e trabalhadores para as obras públicas. Poderíamos afirmar que, com isso, obras secundárias em estradas que levavam as produções do interior para a cidade foram consumadas por iniciativa dos próprios senhores que viviam nos arredores das mesmas? O fato é que, com ao bloqueio napoleônico na Europa, a administração luso-brasileira se voltaria para o interior da colônia. Com D. Pedro I, a preocupação maior fora a de criar uma unidade centrada na figura do monarca. O Rio de Janeiro via o bônus de sediar a casa real dos Bragança.


O progresso e utopia da cidade higienizada

Após a abolição da escravidão, que acabou levando à proclamação da República, as autoridades da capital se veriam diante de um problema: o que fazer com a massa de ex-escravos que assolava o centro da cidade? E não só isso, já que a sociedade marginalizada contava com uma heterogeneidade: Prostitutas, europeus pobres, mulatos desempregados, pessoas viciadas em jogos e bebidas. Como limpar a capital da recém criada República de seus miasmas morais e biológicos?

                                                            Conjunto habitacional IAPI da Penha

Podemos deduzir que a onda de progressismo no começo do século XX contribuiu para formação de uma cidade imaginada aos moldes dos grandes proprietários de indústrias. O foco voltava-se para a vadiagem, para os indivíduos improdutivos, que quebravam o paradigma de uma sociedade pronta para o progresso. Da marginalização dos cortiços veio sua destruição: Tidos como antros da perdição e dos males sociais, essas aglomerações de pessoas indesejáveis seria o foco das autoridades das primeiras décadas do XX. Não só isso: Os cabarés tornaram-se instituições vigiadas, tidas como válvulas de escape para os trabalhadores e burgueses que precisavam distrair suas mentes. Mas, para onde mandar essa gente desterrada e suas famílias? Talvez para bem longe dos olhos da sede da presidência. Os subúrbios, talvez, podem se debruçar nesta semente. Grandes áreas de fazendas e engenhos onde ontem formavam os sertão da Guanabara seria um lugar ideal para alojar a massa de desempregados e não queridos. Lotes de terras foram arrendadas pelos governos para serem criadas cidades-jardins, com tudo ao alcance daqueles que trabalhavam, sem que precisassem sair dessas áreas para frequentarem as mais abastadas. Conjuntos habitacionais que levavam os nomes das fábricas, casas de prestações ao alcance dos aposentados. Poderíamos chamar de um exílio dentro de sua própria cidade? O que podemos dizer que uma identidade foi sendo criada a partir disto. Diante da necessidade de união para com as opressões de uma sociedade imersa no consumismo, que excluía aqueles que não tinham oportunidades (darwinismo social), criou-se uma irmandade entre os iguais. A solidariedade diante das dificuldades iam além dos muros das casas tortuosas e discussões com a vizinhança.


O suburbano e o subúrbio hoje


Dentro de todo esse contexto, os indivíduos que vivem neste espaço geográfico são intitulados "suburbanos". Mas esbarramos em uma questão: Bolsões de riqueza dentro do subúrbio. A especulação imobiliária, juntamente com a pacificação das áreas de risco da cidade, facilidade de crédito e maior exigência na especialização do indivíduo diante do mercado de trabalho trouxeram a oportunidade de se criarem no subúrbio padrões dignos das partes mais ricas do Rio. O que favorece o desejo de não trocar estes lados da cidade por outros? Acesso mais fácil às necessidades primárias, comércios, o valor dos imóveis dentro do espaço frente as áreas nobres? Poderíamos ir mais afundo dentro de uma mentalidade de ostentação natural do ser humano, onde você lida dia a dia com uma realidade de uma área onde a maioria se vê ainda em transição de poder de consumo e se valem da sua notória mobilidade social para angariar status social. Sem esquecer da grande ascensão da dita "Nova Classe C", favorecida pelas já ditas facilidades de empréstimo, o suburbano se mostra cada dia mais com poder aquisitivo e mostra que é a principal mão na roda da economia carioca. Esse patamar da pirâmide social é o grande combustível do mercado de consumo; questão de ostentação?

                                                         Teleférico do Complexo do Alemão

A onda de pacificação nos subúrbios voltou os olhos da mídia para tais lugares, tidos anteriormente como áreas de risco. A Rede Globo é um exemplo: lança sua segunda novela consecutiva tendo o subúrbio como tema e mais um seriado (Subúrbia). Apesar disto, os olhos cariocas ainda enxergam o subúrbio como algo exótico, preso em um passado de pobrezas e mazelas, violência e atentados a moral do carioca tradicional, imagem clichê vendida aos quatro cantos do mundo. Apesar deste boom recente de atenção da mídia, o subúrbio tem sua característica própria, como uma tradição milenar: As brincadeiras de ruas, linguajar, manias, festas populares e religiosas, uma musicalidade. Quem sabe esse exílio dentro da sua própria cidade não criou uma cultura diante da cultura padrão estabelecida pela minoria nobre da cidade? É certo que os versos cantados dos sambistas que exaltam as manias e lugares do subúrbio fazem da cultura carioca algo incrível. Não há como negar que a solidariedade do suburbano diante das grandes dificuldades e adjetivos impostos a ele fez de sua originalidade e identidade uma grande parcela do ser carioca.


Comentários

  1. A mídia ainda mostra o subúrbio como um lugar muito estereotipado, não tenho a mínima empolgação com essas produções Globais. Nos assuntos que realmente importam(politica, economia, educacao, saude, transporte. etc) o Suburbio ainda é esquecido pelos "poderosos".
    Os melhores hospitais estão todos na Zona Sul, os da Zona Norte e Oeste são "depósito de gente doente'. A pacificação das comunidades só foi feita na pratica na Zona Sul e na Tijuca, os bandidos de lá estão espalhados atualmente no trecho não pacificado da Zona Norte e Oeste , sem contar a região metropolitana. A mídia faz um estardalhaço por causa das árvores da praça N. S. Paz em Ipanema por causa da Linha 4 do metrô, mas ninguém fala da Linha 6 que virou BRT Transcarioca. Os trens novos do metrô prometidos para a Linha 2 estão em boa parte do tempo utilizados na Linha 1 e ninguém fala nada. Quando tem alguma eleição de melhor isso, melhor aquilo do Rio, os points do suburbio"(exceto uma eventual aparição de um ou outro estabelecimento do Norte Shopping) nem são citados. Engenhão é demonizado por ser "longe". E o que falar das UOPs? E o BRS?

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