Retalhos de um território: Zona Norte, Zona Oeste e possíveis disputas de terra.



Você já parou para analisar um mapa de nossa cidade? Se sim, já se questionou o por quê das diferenças espaciais entre as terras da Zona Norte e da Zona Oeste? Não sei se deveria levantar tais questões que beiram a curiosidade e a pesquisa acadêmica em um simples blog de curiosidade, mas o assunto é bem interessante. Além disso, a História nos proporciona tais sentimentos e a possibilidade de indagações que transformam nosso conhecimento de tal forma que nos sentimentos felizes. Puro devaneio, talvez...

Mas o que posso apontar aqui são algumas observações que requerem muito tempo de pesquisa histórica para tirar conclusões mais concretas. Vou me deter a levantar questões que agucem a curiosidade do leitor.

Em primeiro lugar, tenho que resumir o perfil do que hoje é o subúrbio carioca ao longo dos tempos coloniais e imperiais de nossa História. Desde a ocupação do que hoje é o Rio de Janeiro para evitar invasões, como no caso da francesa, a Baía da Guanabara fora desbravada e, no seu interior, tais aventureiros concluíram que uma das possibilidades de alcançar as terras de interior seria através dos rios que desaguavam na baía. Assim, o povoamento do interior da província teve como auxiliadores rios como o Pavuna e o Meriti. 

Outro caso de povoamento se deu pelas famosas sesmarias concedidas pelo rei de Portugal. Além de doar grandes porções de terras à particulares, a Igreja ficara responsável por bons pedaços do território carioca: Caso da Zona Oeste, onde das terras iam de onde hoje é Campo Grande até próximo à Vassouras, no Vale do Paraíba. As terras à oeste tiveram características agropecuárias mais marcantes do que as próximas à Baía, que foram marcadas pela cana de açúcar e engenhos. 

Portanto, até a proclamação da República em 1889 e o advento da indústria nas primeiras décadas do século XX, o subúrbio foi marcadamente rural, quadro que só viria mudar após os anos de 1920! 

Em segundo lugar, é preciso observar a aproximação com pontos importantes para a economia colonial e imperial das épocas propostas. Caso mais destacável, a porção de terra que hoje abrange a Zona Norte, possuía alguns pontos cruciais: a saída para a até então cidade (hoje o Centro, indo até, mais ou menos, as imediações da Av. Passos até a chegada da Família Real Portuguesa), facilitando o comércio de cana de açúcar, além dos gêneros alimentícios básicos - lembrando que o Rio de Janeiro tornou-se um dos principais portos do mundo a partir do século XVII devido ao tráfico de escravos de Angola, sua importação de cachaça e como ponto de parada para quem viajava até aos Índias; com a descoberta das minas de ouro, a Coroa Portuguesa abriria um caminho real para o escoamento do metal até o porto da cidade, o que passaria pelo que é hoje a Av. Suburbana, que corta diversos bairros do subúrbio. Neste último caso, provavelmente possibilitaria o tráfego de produtos comerciais entre as fazendas de subsistência do sertão carioca com a zona de mineração.

Já a Zona Oeste, na mão dos jesuítas, era responsável, como foi dito anteriormente, pela larga criação de gado. A estrada que ligava as fazendas à cidade encontra-se com a Estrada Real e formam hoje o "Caminho Imperial", junção de algumas vias importantes na cidade, da Zona Norte à Oeste. A proximidade do escoamento pelo atual porto de Sepetiba com o porto de Paraty - onde eram escoados os metais das minas pelo caminho velho - talvez influenciasse na economia da região, não só ligada à capital da província, mas à outros portos, tendo em vista que o Rio de Janeiro era praticamente responsável pela porção sul do comércio marítimo, que iria até o Rio da Prata, entre Argentina e Uruguai. Além do comércio marítimo, as fazendas jesuíticas possuíam maior facilidade e aproximação com as terras paulistas dos famosos bandeirantes, que começavam a desbravar o interior da colônia no século XVII. Porém, a unidade das grandes terras da Zona Oeste podem esbarrar e algumas possibilidades: as terras serem longínquas, de difícil acesso ao centro do poder - a cidade; decorrente disto, a permanência de traços rurais e de mandonismo local dos oligarcas, que possivelmente conseguiram não desfazer-se de suas porções de terra; o fechamento do caminho velho, que ligava as minas ao porto de Paraty, voltando a atenção às terras próximas à Baía da Guanabara e aos rios que nela desaguavam. 

Até aqui podemos levantar hipóteses de prováveis disputas de terras por caminhos mais lucrativos nas terras da província.


Em terceiro e último lugar, a disputa pode ter sido acirrada pelo incêndio no Arco dos Telles, em 1790, local que guardava documentos de posses de terras, engenhos e fazendas do período. Criminoso ou não, a corrida pelas provas de posse das terras pode ter sido fomentada por tal acontecimento, ganhando vantagem grandes investidores e influentes na política da época. Já esboçado aqui, a partir de 1763, quando o Rio de Janeiro tornou-se capital da América portuguesa por causa de sua proximidade com as minas de ouro, a disputa na região da atual Zona Norte para obter terras às margens do "caminho do ouro" pode ter sido um dos principais fatores por retalhar o mapa da Zona Norte. Passando pela região do Médio Paraíba, só era possível passar por este caminho com autorização régia, ou nem isso, para evitar o contrabando do metal. Mas o abastecimento das minas se dava por aqui, o que pode levar a crer em uma rede de influências para selecionar produtores que levariam de suas terras próximas ao caminho seus produtos até lá - e mesmo com a proibição, o que leva a acreditar que não existiriam os contrabandos e os carregamentos ilegais? 

Enfim, estão levantadas algumas questões que me fizeram pensar por dias a respeito. Isso talvez reforce uma observação que fora apagada com a higienização do centro da capital imperial e republicana desde os fins do Império até o apogeu da República Velha: a criação de limites espaciais imaginários a partir de condições sócio-econômicas. Desde as remoções de Pereira Passos e a europeização da capital aos moldes de Paris para evitar a aglomeração da pobreza no Distrito Federal da época, o Rio de Janeiro é dividido entre a pobreza estigmatizada das Zonas Norte e Oeste em detrimento da elitizada Zona Sul, que nos anos de 1980 ganham um rival emergente para dividir o status de nobreza imaginária - o bairro da Barra da Tijuca. O intuito aqui é mostrar a importância econômica da Zona Norte e da Zona Oeste para aqueles que se valem dos discursos higienistas e elitistas de que estes locais são lugares de "pobre". 

Parem e pensem: A mão na roda da economia carioca está nestes dois locais. O que seria da cidade se o subúrbio voltasse as costas para a Zona Sul, a Barra e seus poderosos?  



Comentários

  1. Ótima iniciativa o seu blog, falta mesmo desnaturalizar esses espaços "congelados" dentro da própria cidade do Rio de Janeiro. A cidade não seria o que é hoje, "cidade Maravilhosa" sem suas retro-áreas de alimento e ocupação colonial!"!!! Pé na tábua.!!

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