Em
outros textos aqui postados já abordamos o exílio social e cultural do
suburbano dentro de sua própria cidade. Entretanto, poderíamos dizer que este
exílio legou o carioca suburbano a detenção dos costumes que outrora faziam
parte da cultura na imperial cidade do Rio de Janeiro.
No
decorrer no século XIX, após a chegada dos Bragança o Rio de Janeiro, a cidade
passou por grandes transformações, tanto estruturais, quanto sociais. Aquilo
que era tido como uma cultura não compatível com a etiqueta de uma corte européia
era reprimida com braços de ferro pelos intendentes da recém criada polícia. O
medo de levantes escravos aos moldes da revolução haitiano no fim do século
XVIII assolava o imaginário da elite branca da cidade e, debruçando-se neste
constante alerta, mesmo que oculto em uma paisagem de aparente controle, a
repressão às culturas de rua, cantos, jogos e festejos, principalmente
escravos, foram sendo banidos para os porões das prisões da cidade. A melhor
maneira de resistirem a estas imposições foi ir se afastando cada vez mais do
centro do poder, o que fez com que aqueles indesejáveis fossem desbravando os
sertões da província fluminense.
Além
da repressão na capital, os negros minas, vindos da Bahia na década de 1830, contribuíram
com a difusão dos acontecimentos citadinos para dentro do continente; muitos
destes serviam como “sedutores”, contribuindo para a fuga de escravos da cidade
para o campo, e vice-versa. Podemos perceber o fluxo de informações e pessoas
de dentro para fora e de fora para dentro, um diálogo constante entre cidade e
hinterlândia.
Repelidos
para as partes mais remotas da cidade, os costumes desagradáveis aos olhos da
elite foram adentrando a hinterlândia do Rio, com suas histórias, lendas,
festas e superstições. Encontravam aqui as culturas sertanejas das fazendas e
engenhos, suas lendas trazidas do outro lado do oceano, seja da África ou da
Europa, ou até mesmo do interior do Brasil, com os tropeiros que por aqui
passavam. Será então a hinterlândia, hoje subúrbio, detentora da magia e do
fantástico mundo místico da vida carioca? Podemos enxergar traços de superstições
desde o não comer manga com leite, desvirar o chinelo, colocar vassoura atrás
da porta, até os festejos populares, como a distribuição de doces no dia de São
Cosme e São Damião e manifestações culturais, como o samba. Mais recentemente a
cultura do funk ainda paira na mentalidade do cidadão como algo desagradável
aos bons e velhos costumes conservadores, algo das partes pobres da cidade.
No campo da religião,
o número de terreiros de Candomblé e Umbanda e igrejas ao longo do interior do
Rio, até mesmo sem sua região metropolitana, se mostra maior do que nas partes
mais elitizadas da cidade, mostrando resquícios de uma crendice popular ainda
com raízes no seu passado colonial e imperial. Lembrando que a massa negra,
mestiça e de brancos da arraia miúda da sociedade foram alocados para além dos
limites imaginários da cidade, juntamente com todas essas suas crenças e
costumes.
Eis o tempero
suburbano: Um misto de sociedade estagnada no tempo que, ao mesmo tempo, busca
estar sempre em dia com as novidades dos tempos atuais. Já não vivemos em casarões
a luz de velas, não andamos a cavalo e nem nos recolhemos em nossos lares antes
de escurecer, mas não deixamos de lado hábitos como tomar chás recomendados
pelas nossas avós para curar algum mal estar, não abrimos guardas chuvas dentro
de casa e, alguns de nós, apelamos para simpatias, almejando alcançar
objetivos. Dividimos amuletos supersticiosos e canções de ninar com diagnósticos
medicinais ultra modernos e aparelhos de som potentes, com os mais diferentes
ritmos do momento. Alguns adoram imagens de santos barrocos, entidades que
personificam figuras de outrora e fazem suas preces, diante da velocidade da
internet e suas redes sociais. Enfim, podemos afirmar que o suburbano é
detentor de uma cultura atemporal, que viajou entre esses mais de 500 de
Brasil. Somos seguranças de um patrimônio imaterial que veio de diferentes
partes do mundo e aqui encontraram terrenos férteis para se estruturarem a
revelia de qualquer imposição. Colhemos seus frutos até os dias de hoje!
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