O verão chega no hemisfério sul
do planeta e, entre os cariocas, a maior pedida da estação é certa: ir à praia.
Para nós, suburbanos, é necessário acordar cedo para enfrentarmos ônibus que
levam até as orlas, seja da Zona Sul ou da Zona Oeste, geralmente já cheios às
7 da manhã.
Sendo
este um dos costumes que fazem parte da cultura carioca, com este texto decidi
abordar outra tradição que é tão marcante quanto a adoração pelas praias: a
cultura do boteco. Tidos como locais de encontros entre amigos, descontração,
jogos e alimentação, os bares e botecos têm tais características enraizadas em
nossas terras desde os tempos coloniais do Brasil, ainda parte do império ultramarino
português. Para uma melhor abordagem, o recorte temporal se dará do ano de
1808, quando chega ao Rio de Janeiro a família real portuguesa, até a era do
progresso, no começo do século XX. Farei rápidas passagens a períodos
anteriores a este.
1808: Mudanças repentinas na
capital colonial!
Diante
do impasse na Europa no qual se viu o príncipe regente D. João VI entre ceder
aos ingleses ou aos franceses, ele optou pela primeira alternativa e veio para
a América. Encontrou aqui algo que, para uma família real européia, seria algo
de outro mundo: Uma cidade dominada por uma desordem social e cultural.
Costumes repugnáveis, jogos, cantorias escravas e uma massa de negros cativos
fazia parte da vida de São Sebastião do Rio de Janeiro. O número de escravos
aumentaria com a chegada da corte portuguesa à cidade, além de todo o seu
aparato administrativo. A cidade não estaria pronta para receber essa repentina
onda de pessoas de uma hora para outra; casas foram desapropriadas para abrigar
os ministros e cortesãos da corte de D. Maria I.
Como
transformar o Rio de Janeiro em uma cidade européia na América tropical? Em 1809, a Intendência da
recém criada Polícia Militar ficaria encarregada pelo planejamento das obras de
infraestrutura e pavimentação da cidade; a classe senhorial da cidade fora
convocada para contribuir financeiramente e com sua mão de obra escrava nas
obras, em troca de favores reais. Além destas forças de trabalho, outros braços
jogados a força nesta cena: os presos por desordem em toda cidade, e até mesmo
de províncias longínquas, eram empregadas nas obras. Qual o perfil desde
desordeiros que eram obrigados a trabalhar de sol a sol nas obras públicas?
Das casas de angu aos bares
locais
Além
das revoltas que assolavam algumas províncias do Brasil, tais como em 1817 e as
rebeliões do pós independência, a administração régia teria um grande
adversário no centro da corte: As desordens urbanas que perturbavam a paz da
população de bem da cidade. As sombras da revolução haitiana assolavam o
imaginário de uma elite branca na América portuguesa e se estenderia até o
governo de Pedro II. Todas as manifestações suspeitas referentes aos negros
sejam livres ou escravos, e até mesmo crioulos e pardos, eram reprimidas a
braço de ferro pela segurança pública.
O
cenário das rebeldias: As ruas da Corte. As casas
de angu ou zungu eram alvos das
batidas policiais em busca dos desordeiros e na tentativa de desfazer o
ajuntamento de escravos e livres, tidos como vadios. Podemos afirmar que estas
casas de reuniões foram os protótipos dos bares e botecos contemporâneos. Ali,
a escravaria urbana esboçada seus planos de fuga, de resistência, disputavam
suas desavenças através de jogos de azar e exerciam sua religiosidade. O que
estas casas podem apontar no âmbito da formação de fraternidade e de uma
identidade africana e afro-descendente em terras brasileiras? Desde aquele
escravo ou trabalhador que passava em frente a uma dessas casas em horário de
serviço até aqueles isentos do trabalho, todos tinham como ponto de
confraternização algum destes comércios. Tais estabelecimentos legaram à
cultura carioca o ambiente de encontro de amigos, reuniões para o fim de uma
semana exaustiva de trabalho.
Por
um outro lado, a cultura da rua (aqui retratado pelo boteco) foi alvo de
ataques conservadores nos tempos da regência. Antítese do bem estar social, a
vadiagem fora combatida pelas facções que buscavam promover o seu modo de
governo naqueles tempos, e este apontamento negativo fora elevado ainda mais
nos tempos do progresso, nas primeiras décadas do século XX. O boteco e a vida
noturna seriam tudo aquilo que o trabalhador de bem não deveria experimentar,
pois comprometeria seu rendimento na produção, além de comprometer sua renda.
Este
tipo de comércio, ao mesmo tempo que cumpria e cumpre seu papel de
estabelecimento comercial voltado ao ramo de bebidas e alimentos, se mostra
como uma sala de reunião daqueles indivíduos castigados pelo trabalho do dia a
dia, e que buscam na confraternização e no compartilhar de uma identidade local
os meios de estreitarem os laços de amizade, onde são divididos experiências
que levam o mesmo tom de sacrifício, felicidade e tristeza aos seus iguais. Eis
que tudo isto é celebrado com algo que vem do mundo antigo: a cerveja.
Cerveja!
Historicamente,
sabe-se que a cerveja já era conhecida de povos como os egípcios e os sumérios,
datando de 6.000 a .C.
A bebida tinha até uma deusa celebrada: os sumérios tinham o Hino de Ninkasi, a deusa da cerveja.
Bebida
bastante apreciada pelos cariocas, principalmente em dias de calor intenso, nas
festas e celebrações é, praticamente, o ator principal; difícil encontrar uma
roda de amigos que não esteja compartilhando garrafas ou baldes com latinhas de
cerveja. O consumo é sinônimo de integração social e justamente nos bares de
botecos isto se torna mais latente. Como já disse, estes locais formam os
principais centros de difusão da cultura de localidades, principalmente nos subúrbios
da cidade. A cultura do bar, boteco e cerveja é, basicamente, o perfil daqueles
que se nomeiam típicos cariocas.
Dos
estabelecimentos suspeitos do Rio de Janeiro do século XIX aos estimados cantos
de distração do século XXI, em um espaço de 200 anos, bares e botecos sustentam
a face do que é mais marcante no carioca: a descontração. E, claro, não podemos
esquecer na cerveja. É quase religioso as reuniões dominicais em torno de uma
mesa de bar para discutir diversos assuntos e contar várias histórias do
cotidiano.
Boteco
e cerveja fazem parte da mentalidade do que é ser carioca, juntamente com
samba, carnaval e praia. Em nosso subúrbio, onde não temos a comodidade dos
calçadões, as calçadas rachadas se tornam palcos para as rodas de samba,
regadas a cerveja. Os balcões que expõe diversos petiscos não usados como mesa
para discutir a última partida do time de futebol. Resumindo: O bar é a parada
obrigatória do carioca despojado. A cerveja é o elo de ligação entre vizinhos
de bairro, conterrâneos de bairros distantes, o batismo da amizade. Podemos
metaforizar o bar como sendo a igreja e a cerveja, a água benta.
Apesar das tentativas de repressão
de uma cultura dita desordeira e fora dos costumes da mentalidade senhorial do
século XIX, a cultura de rua e, principalmente, o boteco, os jogos e as bebidas
resistiram ao tempo e tornaram-se parte da identidade carioca. Descompromissado
de qualquer formalidade dos nobres salões da realeza imperial de outrora, a
cultura do boteco construiu a figura do carioca, esperto e malandro, desordeiro
e brincalhão, galante e artista. Mesmo levados às prisões da cidade imperial
por atentado à moral, a figura do vadio é revivida em cada esquina onde se tem
um grupo de amigos confraternizando na mesa de um bar, seja bebendo ou jogando
suas cartas.
PARABENS POR SUAS IFORMAÇOES.GRANDE PARTE DA POPULAÇAO VIVE SEM SABER DESSES FATOS...ESTOU ADMIRADA,VALEU
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