Praças e pracinhas: Lugares em comum.



Quando me deparei com o capítulo 4 do livro "Raízes do Brasil", de Sérgio Buarque de Holanda, a respeito da diferença de colonização portuguesa e espanhola, notei que um ponto central para o desenho das cidades espanholas na América, e até mesmo na Europa, está centrado em uma praça. A partir dela os conquistadores e colonos puderam estruturar as cidades americanas ordenadamente, diferente das cidades portuguesas, onde, como o próprio autor intitula o capítulo ("O Semeador e o Ladrilhador"), estes jogavam sementes pelas terras descobertas, podendo estas dar bons frutos (cidades) ou não. Com isso, as cidades portuguesas na América cresciam desordenadas, tortuosas, sem um padrão definido como a colonização espanhola.

Em nossos dias as praças vão além de demarcar um ponto inicial de alguma localidade. Sendo o lugar comum de um bairro ou de um conjunto habitacional, podemos encontrar nelas diversas personalidades, lidar com vários acontecimentos, desavenças e festejos. Em cidades do interior é onde tudo acontece, sendo o marco inicial da fundação daquele lugar, sempre com uma igrejinha. Em outras épocas era o lugar de encontro dos namorados, que tinham como cúmplice o pipoqueiro. Com todos estes e mais alguns atributos, as praças e pracinhas do subúrbio carioca fazem parte de todo uma vida para aqueles que aqui residem. 

Podemos dizer que as praças e pracinhas são as encruzilhadas de um bairro, já que ali passam todos os tipos e os mais variados acontecimentos ali se passam. Em tempos coloniais, as igrejinhas faziam delas o ponto de reuniam do povoado, de onde partiam procissões e festejos religiosos. No Império fora alvo de batidas policiais contra aglomerados de escravos que iam buscar água em suas fontes e se juntavam para compartilhar seus costumes. Com o progresso da primeira metade do século XX era a área de lazer dos trabalhadores das grandes fábricas que residiam em torno do local de trabalho; nas cidades-jardins, onde se era proibido ultrapassar os muros onde os olhos dos patrões alcançavam, investir em atrações nos arredores da indústria era um meio de manter os empregados controlados. Apesar de todo controle, por seu caráter comunal, as praças acabaram se tornando ponto de encontro de ideologias que impulsionavam as resistências operárias. Com o auge do capitalismo, além de área comum entre trabalhadores e pequenos burgueses, as praças também se tornavam parada de vadios e errantes desempregados: A mendicância acabou fazendo das praças seu lar a céu aberto. E com a expansão da criminalidade, nos deparamos com mercados negros de drogas em pequenos grupos de pessoas que tentam, na surdina, contrabandear suas mercadoria ilícitas. 

Em nosso Rio atual as praças são parada para estudantes que aguardam o sinal da escola para começarem sua rotina de estudos. Como já foi dito, em um espaço comum, uma encruzilhada de pensamentos e opiniões, as praças acabam se tornando palco de confronto de diferenças entre grupos de torcidas, vizinhos, desavenças e dívidas. Quem nunca se deparou com brigas nas pracinhas da escola na hora da saída? Apesar do seu aspecto pacificador e de lazer, as praças e pracinhas podem ser analisadas como um ponto de ebulição, um território dividido geograficamente por diferentes perspectivas de enxergar o mundo, traduzindo a pluralidade da cultura e da sociedade suburbana.

Sendo detentores de um costume esquecido pelas partes ricas da cidade, o suburbano faz da praça do seu bairro uma extensão da sua casa: É onde se cumprimenta o vizinho e se marcam as reuniões, as festas e os carnavais. Concentração dos blocos de rua, as praças exprimem o verdadeiro espaço de livre expressão daqueles que não possuem outros meios de interagir com o mundo lá fora, uma barreira imposta por especulações econômicas de um Rio de Janeiro dividido entre o que é e o que não é para ser explorado por aqueles que desejam conhecer um carioca autêntico. 


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