Rio de Janeiro: A cidade espetáculo.



Já sabemos que o Rio de Janeiro é a cidade maravilhosa: Nascemos com o estigma de que ser carioca é ser melhor do que os outros brasileiros; que nossas praias são lindas, nosso Cristo é cartão postal e que o Pão de Açúcar é nossa porta de entrada. Mas isso tudo por qual motivo? Devemos nos ater aos fatos externos para perceber a tentativa de colocar o Brasil e, consequentemente, o Rio de Janeiro no circuito mundial das maravilhas globais.

O ano é 1991. Após quase 5 décadas de guerra ideológica no pós-Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e a então União Soviética encerram sua Guerra Fria, com o fim do bloco socialista e a ascensão do capitalismo mundial. Apesar disto, antes mesmo do fim deste debate de idéias, as tentativas de expandir os braços do sistema do capital através de nações periféricas levou à transformação destes Estados em grandes empresas, principalmente a partir dos anos de 1980. Com a derrubada do Muro de Berlim e o fim da Guerra, a festa do consumo estaria, de fato, iniciada: A globalização destruiria barreiras, fronteiras e nações.

Com o discurso do "bem estar" social, o capital veio para trazer o progresso àqueles que se empenhassem em suas conquistas e no trabalho árduo, produzindo seu sustento - e, claro, o do capitalista -, uma vida de sonhos realizados, projetos concluídos, um mar de rosas; daí surgiu o ideal do American Dream, o sonho americano, onde tudo funciona perfeitamente e o consumo ultrapassa o margem do necessário. Mas será que realmente isso aconteceu?

Nesta investida "mundializadora" do projeto capitalista, onde os países de "terceiro mundo" seriam arrastados para o centro do furacão globalizante, o "bem estar social" não funcionou como se esperava: Apesar de destruir as barreiras geográficas, a mundialização não conseguiu desestruturar integralmente as mentalidades. Tentando transformar muitos povos em potenciais consumidores dos produtos das grandes multinacionais instaladas em seus países, que acabaram transformando estes Estados em grandes shopping centers, aqueles que projetaram o mundo maravilhoso a partir do trabalho compulsório e da produção em escala industrial não esperavam resistência. Com os investimentos em parques de produções, seja na China, Taiwan ou demais países de mão de obra barata, acabaram por introduzir um abismo social entre aqueles que poderiam consumir e os que estariam de fora desta festa; eis o fruto gerado por aqueles que projetaram o "bem estar social". O que isso acarretou? Grupos de resistência, seja ela através da violência ou de boicote indireto. O "terrorismo" fundamentalista, por exemplo, foi uma resposta às tentativas de quebra de tradições impostas pela globalização; os neofascistas emergem diante da chegada das ideologias liberais, dando margem à xenofobia, homofobia e diversos tipos de racismo; grupos ecológicos lutavam contra a  destruição descontrolada do meio ambiente.

No Rio de Janeiro não poderia ser diferente. No início da década de 1990, o Brasil ainda estava à margem do mundo. Nesta onda globalizadora da era pós-moderna, os grupos que emergiram com maior força solidificaram o que veio a se chamar nos anos seguintes de "Poder Paralelo", combatendo o Estado - transformado em empresa pelos braços da globalização - e suas investidas contra o funcionamento perfeito do "bem estar social". Exemplo maior na cidade se encontra no Comando Vermelho, surgido nos tempos de ditadura com ideologias extremistas de esquerda, e que chegou aos anos 90 e 2000 como maior organização "criminosa" da cidade. Após duas décadas desde o fim da URSS, o Rio de Janeiro passou por transformações que fizeram ainda mais a cidade ser transformada em espetáculo: Em 2007 o Rio sediou os jogos Pan Americanos; o Rock in Rio volta à cidade após 10 anos, em 2011; A Jornada Mundial da Juventude aconteceu em 2013 na cidade; O Brasil é escolhido sede da Copa do Mundo de Futebol de 2014, sendo o Rio apontado como palco da final do campeonato; O Jogos Olímpicos de 2016 acontecerão no Rio. Entre outros eventos de pequeno e médio porte, em um curto espaço de tempo, tiveram o Rio de Janeiro como seu palco. Para que isso ocorra na mais perfeita ordem, algumas modificações acabaram sendo feitas dentro da cidade: Construções de vias expressas, remoções de comunidades e projetos de pacificações em conjunto coma Polícia Militar em áreas que representassem risco àqueles que viessem visitar a cidade durante os eventos. Isso acarretou uma valorização das áreas suburbanas, onde antes o poder público pouco se prolongava e a mídia fazia questão de rotular como áreas violentas.

Num conceito sobre violência, o subúrbio carioca tornou-se resistência de costumes seculares, onde os grupos de "Poder Paralelo" encontraram espaço para implantar sua resistência contra o grande projeto globalizante que excluiria milhares de pessoas impossibilitadas de partilhar do "bem estar social". Estigmatizando o suburbano como aquele que fala alto, ando desarrumado, ignorante e sujo, o espetáculo da cidade teve seus lugares certos: A Zona Sul tornou-se o grande carro chefe carioca, parada de turistas estrangeiros e nacionais; a Barra da Tijuca fora projetada para ser uma Miami tupiniquim, de grandes prédios, boates, casas de show e empresas. Sobrou ao subúrbio carioca acolher aqueles que não poderiam participar desta valorização da cidade. Transformada em uma empresa pela atual gestão municipal, o Rio de Janeiro vê sua história sendo remexida pelas máquinas da TransCarioca: Trilhos de bondes que passavam por Vaz Lobo e Penha, por exemplo, são desenterrados a esmo. Os prédios centenários da estação de Ramos foram à baixo para dar lugar às pistas da via expressa. Mesmo assim, a valorização da nossa área não condiz com a realidade: O custo de vida no subúrbio aumenta gradativamente a cada avanço das obras da cidade maravilha.

O projeto urbanístico da gestão Eduardo Paes planejou uma cidade espetáculo para o mundo. Os prédios históricos do subúrbio carioca sucumbem pelo abandono, muitos sendo derrubados pelo tempo ou pelas máquinas. O Teleférico do Alemão ganhou preço de atração turística. A falta de interesse para revitalizar uma área em que o costume do carioca foi enraizado em prol de manter o status da cidade maravilhosa apenas por suas praias mostra o desleixo do costume nacional com o seu passado. Junte à isso o ideal de Estado-empresa imposto no pós-1991. E daí se a História do Rio de Janeiro terminar em escombros?  O subúrbio carioca tem uma História e precisa de vontade e apoio para ser exposta ao mundo!


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