Santo território: O papel da paróquia na integridade territorial.

Igreja de N. S. da Apresentação de Irajá. 400 anos de História.
Não se pode negar o papel fundamental que as paróquias exercem na vida cotidiana do subúrbio carioca. Mesmo que discretamente, nos dias atuais em que a globalização cada vez mais destrói para comercializar os valores e a cultura de um país, a igreja do bairro ainda se torna ponto de encontro de muitas famílias tradicionais ou tradicionalistas de uma localidade. Mas quais foram os verdadeiros papéis de uma paróquia na vida da colônia nos tempos longínquos de sertão carioca? Muito mais do que um local de contato entre os homens, os interventores divinos e o próprio Deus: a igreja local, em tempos onde não se tinha IBGE, tratados de fronteiras literalmente firmados, banco para guardar e emprestar dinheiro e escolas públicas, servia de tudo um pouco.

Como controle de unidade territorial, a igreja serviu de suporte à metrópole de porta voz dos ecos reais: ligadas a uma diocese, as paróquias faziam soar para a localidade as determinações administrativas que vigoravam na política colonial. E mais do que transmissora de ordens e costumes, expandir as paróquias pelo território conquistado polarizava os habitantes de uma determinada freguesia, que acabavam tendo sua vida controlada pelo poder irradiado da igrejinha local. Isso transformava o território de total domínio de seu conquistador, já que a língua falada deveria ser a metropolitana, o que identificava a localidade de posse portuguesa. Além da língua, a religião cristã romana fora a profissão daqueles bem quistos pela sociedade colonial (apesar de na colônia portuguesa da América religião cristã romana literal nunca ter existido...), o que fazia das paróquias importantes difusoras não só de ordens administrativas, mas da fé oficial.

Outro papel da igreja local era de ser o banco, próximo ao conceito que conhecemos hoje do estabelecimento. Na falta de onde guardar suas economias, as elites da terra confiavam aos párocos o papel de bancários onde guardavam seus lucros de transações comerciais. Além da possibilidade de armazenamento de dinheiro - aqui precisamos ter cuidado, já que nem sempre o dinheiro como conhecemos hoje circulou na colônia, sendo transações por um certo tempo terem sido na base da troca de gêneros - as igrejas faziam empréstimos para aqueles que, colonizando o território e visando implementar um negócio de engenho, por exemplo, expandissem e se comprometessem a cuidar de um pedaço de terras dentro de um a determinada sesmaria. Apesar de competir com o comércio de primeiras necessidades, à igreja também cabia o papel de banqueiro no incentivo à criação de negócios que dessem lucro aos seus investidores, cobrando juros e hipotecando terras, produção e capitais, dentre eles engenhos, animais e até escravos.

Cruz dos Jesuítas, em Santa Cruz.
Entre transações econômicos e assuntos políticos, ficou legado às igrejas a educação da população: padres e párocos ficavam responsáveis pela educação nas terras coloniais, como o caso do colégio dos jesuítas em Santa Cruz, no que hoje é a Zona Oeste da cidade. Toda cultura passava pelas mãos da igreja na tentativa de unificar os costumes debaixo da sombra católica, o que não deu muito certo, já que, distante da Europa, a religião oficial da metrópole nunca fora seguida a risca. E além da educação, todo nascimento era registrado nas igrejas locais. Não precisamos ir muito longe, já que até começo do século XX isso acontecia no Brasil.

Das missas e cerimoniais que você conhece nos dias de hoje, voltando a fita do tempo até a ocupação da província do Rio de Janeiro, podemos ter a certeza de que as paróquias guardam muito mais do que histórias santas e de festejos religiosos. Por elas passaram o que de mais valioso a cultura carioca suburbana tem: seu diálogo entre o oficialmente instituído sagrado e o profano. Ora, de tantas as atribuição administrativas e de responsabilidade de uma paróquia colonial, estabelecer a fé cristã romana em terras portuguesas na América precisou de um esforço relativamente fácil, que foi a miscigenação ritualística e religiosa entre Cristo, divindades nativas americanas, africanas e o paganismo europeu.

Não sinta-se culpado ou herético: Seu país e sua cidade nasceram em berços de blasfêmia. 

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